Na última vez que vimos os três, dois garotos e uma garota estavam na varanda de uma casa de fazenda. Eles entraram no Hudson ano 47 e desapareceram sob as árvores da avenida. Era setembro de 2010, em Nova Orleans, as filmagens de Na Estrada já duravam 3 meses. Eles eram os mesmos, viajando do México a São Francisco, pelo Canadá.
Um ano e meio depois, Garrett Hedlund, Sam Riley e Kristen Stewart se encontravam sob as duras luzes de Los Angeles. Este é o primeiro encontro do trio em meses, mas parece que as filmagens acabaram de começar. Eles escaparam do estúdio, onde posaram para o fotógrafo Steven Pan, para ir fumar na calçada. A cumplicidade física entre eles está intacta, a mesma que os manteve conectados no banco do Hudson pelas estradas americanas. O jeito de falar no filme não era aquele em que os atores ensaiam constantemente com técnicos de mídia. Nas suas histórias, seus pensamentos, ecoam a experiência compartilhada que os moldou.
Sob o auspício de São Jack Kerouac, editado por Walter Salles, eles tinham outra ideia no mundo do cinema. Em 23 de maio, eles estarão em Cannes para a estreia mundial de Na Estrada, dirigido por Walter Salles, baseado no livro de Jack Kerouac, o trabalho fundador da geração beat. O diretor brasileiro assumiu em 2004 o texto inspirado por viagens pelos Estados Unidos no final da década de 40, publicado em 1957. Levou oito anos para completar o filme com segurança, sem renunciar a nada, especialmente aos três atores que ele havia escolhido, apesar de que, durante este tempo, um deles se tornou uma estrela.
Por décadas Hollywood imaginou quais seriam os rostos de Dean Moriarty, Sal Paradise e Marylou, o trio na estrada, que Kerouac modelou na natureza. Moriarty é Neal Cassady, o garoto que passou “um terço de sua juventude num reformatório, um terço em mesas de bilhar e um terço em livrarias públicas”, como Walter Salles gosta de lembrar. Paradise é o próprio Kerouac, o imigrante de Quebec, filho de um trabalhador de Massachusetts. E Marylou é LuAnne Henderson, a garota que fugiu de casa por amor a Cassady, e à liberdade.
Seis anos atrás, Walter primeiro escolheu Garrett Hedlund para o papel de Neal. O ator tinha 20 anos, recém chegado da fazenda em Minnesota. Um pouco depois, no jantar, o compositor Gustavo Santaolalla falou com o diretor sobre uma jovem atriz que ele notou em um filme de Sean Penn para o qual compôs a trilha sonora, “Na Natureza Selvagem”, Kristen Stewart – “eu me lembro de ter escrito o nome dela em um pedaço de papel”, diz Walter Salles – se tornou Marylou. Finalmente, depois de ver “Controle” em Cannes, em 2007, o inglês Sam Riley foi convidado para fazer um teste com Hedlund. A química entre os garotos era tão óbvia que apesar da diferença de tamanho (Riley é alto e magro, Kerouac era baixo e atarracado) e de sotaque, o inglês conseguiu o papel de Sal Paradise. Em parte porque os atores não eram muito conhecidos, o projeto foi adiado várias vezes, até o início de 2010.
Depois de deixar o set de Na Estrada, Kristen Stewart continuou a trabalhar – depois de “Crepúsculo”, em “Branca de Neve e o Caçador”. Enquanto isso, os dois garotos ficaram um ano sem fazer nada. Sam Riley, que mora em Berlim, disse que conversava com Garrett Hedlund por Skype. “Achou alguma coisa? Não? Nem eu,” Finalmente, os dois concordaram em fazer papéis coadjuvantes sob a direção de diretores renomados, Neil Jordan para Riley, os irmãos Coen para Hedlund. Depois de ficarem por tanto tempo na pele dos personagens de Kerouac, não foi fácil voltar a este século. Kristen Stewart não teve chance, ela precisava atender ao chamado dos vampiros. Entre o tempo em que, louca de alegria, ela aceitou o papel de Marylou e começou a filmar, ela se tornou Bella, a heroína da série “Crepúsculo”, a namorada do vampiro interpretado por Robert Pattinson, que também é sua companhia na vida real.
Miraculosamente, em Janeiro de 2010, quando Walter Salles encontrou na produtora francesa MK2 os fundos e o apoio que não havia encontrado em outros lugares, o calendário de filmagens provou ser compatível com a agenda da atriz. Isso era prioridade, com o status de estrela da atriz confirmada pelos fãs e pela mídia, e a vontade de Walter Salles em filmar Na Estrada como uma experiência nômade, o mais próximo possível das divagações de Kerouac. Kristen Stewart jogou bem durante as filmagens, o time às vezes brincava de esconde-esconde com a imprensa e os fãs, sempre no rastro da atriz. Na Argentina (onde a equipe filmou na neve de Agosto), para sair do aeroporto, tiveram que fazer um vácuo de limusines para despistar os paparazzi. Parte da filmagem foi mudada do México pro Arizona depois de ameaças de sequestro. Mas no set, nada de agentes, imprensa, assistentes, este mundinho que fica ao redor em Hollywood. “Não sei como ela consegue ficar sã”, pergunta Sam Riley.
Os três jovens atores fizeram um acampamento (aulas, no jargão militar) que Walter Salles organizou algumas semanas antes de começar a filmar em Montreal. Em um apartamento grande, eles assistiram filmes de John Cassavetes, conheceram os autores da geração beat, ouviram jazz do fim da década de 40. Kristen descobriu gravações raras de LuAnne Henderson. De todos os protagonistas de Na Estrada, LuAnne é a única que não se beneficiou com a experiência: “Era a vida dele, três anos com o homem que ela amava. Era isso, nenhuma chance de ficar famosa. E Deus sabe que o tempo era oportuno.” Kristen Stewart se enche de vida, como fez no set de Nova Orleans, quando se lembra de ler On The Road pela primeira vez, aos 14 ou 15 anos. Ela, que está prestes a juntar a promoção dos três filmes, tenta provar que nem sempre existe esse sentimento. “Sempre dizemos que o set de filmagem é como uma família, mas nem sempre é verdade. Desta vez”, ela insiste, “eu não ia embora do set, queria ir com eles até o fim. Mas por anos eu me preparei para a ideia de terminar a série Crepúsculo.” Ela é forçada a esta grande mudança, trabalhou continuamente por quase um ano e agora hesita sobre que rumo tomar. “O desejo de trabalhar coça, mas não vi nada que me provoque, que me coloque em movimento. É assim com filmes como Na Estrada, o nível de demanda sobe.”
Você também precisa encarar as expectativas dos fãs de Kerouac, Americanos que se perguntam porque um brasileiro deu o papel de Sal Paradise a um inglês, amantes do cinema que sabem que Francis Ford Copolla (que comprou os direitos para o livro no fim dos anos 60 e é co-produtor do filme) ou Gus Van Sant poderiam ter feito o filme. Em uma livraria em Sunset Boulevard, um vendedor reconheceu Sam Riley e disse a ele “Você vai estará em Na Estrada? Espero que seja bom.” Dos três, o ator britânico é o mais preocupado. Questão de temperamento, sem dúvida. Ele se pergunta se vai culpar o sotaque (uma mistura de New England e Quebec), no qual ele trabalhou por meses. Ele se lembra de uma história durante o “acampamento”. “Um escritor que conheceu Kerouac chegou na sala onde eu estava com o Garrett. Nós nos cumprimentamos e ele olhou por cima do meu ombro, imaginando onde estava o cara que ia interpretar Kerouac.” Seis meses depois, em São Francisco, na noite do último dia de filmagem, Sam Riley encontrou Carolyn Cassady, viúva de Neal, agora com 90 anos (no filme, este papel é interpretado por Kirsten Dunst). “Ela acariciou meu rosto e olhou pra mim. Não posso repetir o que ela me disse, mas olhando pra trás, acho que as pessoas que me contrataram não foram completamente enganadas.” Enquanto isso, Sam Riley / Sal Paradise tinha colhido algodão no Arizona no calor de quase 50 graus na sombra, dançado em casebres em Puebla (em um tempo de violência no México) e passou um domingo inteiro na neve em Calgary, Canadá. “Eu lembro que vieram me acordar com uma mudança rápida de planos. Eu pensei que era meu dia de folga, mas fui com eles. Lá estavam Walter, Eric Gautier (diretor de fotografia) e Garrett estava encarregado do figurino e da maquiagem. Essa mudança de planos, inimaginável no set de um filme em Hollywood, produziu imagens admiráveis de Sal Paradise andando nas montanhas, esperando parar um carro ou caminhão. “Em três horas, filmamos 20 tomadas”, lembra Sam Riley, ” e entre essas, minha favorita.”
Em Nova Orleans, ele também improvisou com Viggo Mortensen, que fez o papel de Old Bull Lee, inspirado no personagem de William Burroughs, inventor literário, viciado em heroína, assassino de sua mulher. “Eu sabia que Viggo era um homem inteligente, aculturado, poeta. Eu passei a noite inteira na Wikipedia porque tinha medo dele perguntar, ‘Então, Sal, o que você acha de Übermensch?”, enquanto eu nunca tinha lido Nietzsche.” Esses improvisos são o coração do filme que Walter Salles queria.
Enquanto o trio estava viajando pelas estradas do Arizona a 45 graus na sombra, o roteiro pedia um caroneiro. Walter Salles embarcou no talento do cantor Jake La Botz. Ele estava assobiando um triste lamento de um homem que matou a mulher que amava, sem avisar a Kristen Stewart. “A reação de Marylou quando ela ouviu essa canção pela primeira vez era significativa”, explicou Walter Salles. “Ela ficou no filme, para anunciar a inevitável ruptura entre Maryloy e Dean Moriarty.” A figura de Dean Moriarty, o ideal masculino de Jack Kerouac, o objeto de desejo das mulheres no filme, era de Garrett Hedlund há muito tempo. Walter Salles conheceu dúzias de atores, nenhum como ele: “Garrett tinha uma emergência, uma vitalidade, mas também a dor relacionada à busca pelo pai. Quando ele fez o teste, tinha chego de Minnesota. Ele recitou o diálogo que foi dado a ele, e aí me perguntou se ele podia ler algo. No ônibus, ele escreveu um texto sobre sua jornada. A interpretação dele dessa busca, de sua própria vida, me conquistou.” Quando adolescente, Garrett Hedlund tinha lido que Francis Ford Coppola estava preparando uma adaptação de On The Road, e disse que o papel de sua vida tinha escapado a ele. Quando, aos 20 anos, Dean Moriarty cruzou seu caminhou, ele não queria mais sair, independente das vicissitudes do projeto. “Toda vez que ofereciam um papel a ele”, lembra Walter, “ele perguntava se podia fazê-lo sem comprometer Na Estrada”. Ao recusar ofertas, para o desespero de seu agente, Garrett Hedlund continua a ser uma esperança de Hollywood, embora ele pudesse ter virado uma estrela há muito tempo. Antes da certeza do sucesso deste projeto, ele acompanhou Walter Salles em sua pesquisa, aprendendo a dirigir o Hudson, encontrando sobreviventes da geração beat, como o poeta Michael McClure. “Na época, eu não podia dizer que eu ia fazer o papel de Dean Moriarty. Segurei minha língua, passando por companhia do Walter.”
“Isso é uma alma pura”, ele disse a Sam Riley. Hedlund mora em um pequeno apartamento em Silver Lake, perto de Beverly Hills. “Eu prefiro acordar pobre de manhã”, ele disse. “Eu não quero ter que trabalhar pra pagar por um apartamento”. Em 2009, quando a crise financeira descarrilhou o primeiro pacote financeiro de Na Estrada, o jovem cedeu ao seu agente e concordou em estrelar em Tron, uma grande produção da Disney. “Eu estava quase pedindo o dinheiro do aluguel pra minha mãe”, ele lembra. “Seis meses depois, estávamos em Montreal, em um apartamento com Kristen e Sam.”
Garrett Hedlund perdeu a última noite de filmagem, foi embora com pressa para atender a première de Tron em Los Angeles. Mas Walter Salles ofereceu algo melhor pra ele. Na primavera de 2011, depois de terminar o primeiro corte do filme, o cineasta pegou a estrada pelos Estados Unidos em “um momento de completa liberdade”, para facilitar o ritmo do filme. Um time pequeno de cinco pessoas, um ator, Garrett Hedlund, e o Hudson, viajando nas estradas vicinais, longe das rodovias cheias de propagandas, para achar lugares nos Estados Unidos onde Kerouac e Cassady possam ter se intoxicado. Garrett Hedlund lista todos os passos da viagem: os Adirondacks, Cincinnati, Ohio, Lexington, Kentucky, Lubbock, Texas, Las Vegas, New Mexico, só faltou um violão para fazer um blues. O ator lembra cada nevasca, cada falha. “No Mississippi, um mecânico chamado Corndog consertou o carro na grama de sua casa. Ele tinha cachos Jheri (penteado popularizado por Michael Jackson na capa do disco Thriller), e colocou uma touca de cabelo antes de entrar embaixo do Hudson, para não pingar óleo de motor no cabelo dele.”
Cannes é o fim e a lógica paradoxal desta viagem. Embora o tapete vermelho seja um lugar estranho para estacionar o Hudson, levando três vagabundos celestiais. Mas Walter Salles apresentou seus dois últimos filmes, Diários de Motocicleta e O Primeiro Dia (co-dirigido por Daniela Thomas). Foi depois de ver Diários de Motocicleta, outro filme de estrada que seguiu o jovem Ernesto Guevara pela América Latina, que Francis Ford Coppola teve a ideia de propor Na Estrada pra ele. Kristen Stewart vai encontrar na Croisette seu parceiro de “Crepúsculo”, Robert Pattinson, que estará lá por Cosmopolis, de David Cronenberg. Sam Riley estará de volta para onde foi revelado pela sua interpretação de Ian Curtis, cantor da banda Joy Division em Controle, de Anton Corbijn. E Garrett Hedlund poderá mostrar ao mundo todo o que aqueles que cruzaram com ele já sabem: ele é uma estrela de cinema.
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